sábado, 7 de maio de 2011

Como podemos criar vida

Artigo de Paul Davies

Cientistas buscam novas tecnologias para produzir vidas em laboratório

Paul Davies e professor do Imperial College e autor de 'The Fifth Miracle: the Search for the Origin of Life'. Artigo publicado no jornal inglês 'The Guardian':

Em 1953, um jovem cientista chamado Stanley Miller levou adiante uma experiência histórica na Universidade de Chicago. Ele tentou recriar as condições de vida na Terra durante os primórdios, descarregando eletricidade em uma mistura de água e gases selada em um frasco.

Quando Miller analisou os resultados, ficou feliz ao encontrar sinais de aminoácidos, importantes elementos das proteínas.

A experiência de Miller entrou para a história como tentativa pioneira de criar vida em um tubo de ensaio. O sucesso lançou a crença de que se tratava do primeiro passo para uma caminhada em direção à vida, ao final da qual uma sopa química nos conduziria a uma passagem pelo tempo.

Ao fazer mais experiências como essa, algum tipo de vida seria produzida. Para a maior parte das pessoas, a idéia de criar vida em laboratório parece ficção.

Alguns cientistas, porém, anunciaram que estão prestes a conseguir isso.

A origem da vida continua um quebra-cabeças. Se os cientistas pudessem criar uma segunda forma de vida no laboratório, isso poderia render pistas vitais sobre como chegamos aqui.

De alguma forma, bilhões de anos atrás, uma mistura de elementos químicos sem vida se transformaram em células com vida. Repetir experiências químicas sob condições controladas poderia levar à primeira forma de vida artificial.

A princípio, não vejo razão para não criar uma forma de vida sintética. De qualquer maneira, muitos dos cientistas que trabalham nessa tentativa estão mirando no alvo errado. No século 19, a vida era vista como um tipo de substância mágica.

Ganhou força a idéia de que essa matéria orgânica, originária de um caldo primitivo, só poderia ser sintetizada em laboratório se os ingredientes certos fossem identificados. Foi com esse espírito que Miller fez sua experiência, e muitas outras versões refinadas dela vêm sendo repetidas.

Infelizmente, os pesquisadores continuam no estágio dos blocos de construção.

Há uma razão fundamental para esse impasse. A vida, como a conhecemos agora, não é uma substância mágica. Não é algo que possa ser incubado pelos métodos da química do século 19.

Nem pode ser conjurado por descarga energética em substâncias infusivas, como um raio elétrico, à la doutor Frankenstein. Não há força vital acima e abaixo das habituais forças intermoleculares.

Ao invés disso, a célula viva tem mais semelhança com um supercomputador - um sistema de processamento e reprodução de informações de complexidade surpreendente. O DNA não é uma molécula especial que dá vida, mas um banco de dados genético que transmite suas informações usando um código matemático.

A maior parte das atividades de uma célula são melhor descritas, não em termos materiais - hardware -, mas em termos de informação, ou software. Tentar criar vida misturando elementos químicos em um tubo de ensaio é como tentar soldar fios para produzir o Windows 98.

Não funciona porque leva o problema por um caminho conceitual equivocado.

A aproximação de Miller é fundamental, sintetizando os blocos de construção vitais a partir de substâncias inorgânicas e tentando reagrupá-los em estruturas mais complexas.

Enquanto isso, biólogos moleculares têm feito experiências sob uma perspectiva mais profunda, quebrando os elementos internos de bactérias e vírus para reorganizar seus componentes.

Há um mês, Craig Venter, famoso por seu trabalho no projeto do genoma humano, anunciou a intenção de criar uma nova forma de vida. Venter planeja esquartejar e reconstruir o genoma do Mycoplasma genitalium, um micróbio que habita o trato genital.

Mais do que criar vida, trata-se de reformulá-la. Até uma simples bactéria é uma vasta montagem de moléculas intrincadas. Embora não estejam vivas, elas são produtos de coisas vivas.

Cientistas fazem uso delas em seus consertos microbiológicos. Eles usam produtos de organismos vivos para refazer organismos vivos e continuam distantes de ser capazes de compor uma célula viva do zero.

Se a vida artificial é manufaturada, será pela aplicação das informações tecnológicas e nanotecnológicas e não pela química orgânica. Esses são os campos emergentes, e os princípios em que repousam raramente são captados.

O assunto do momento é a computação quântica - uma tentativa de aperfeiçoar as propriedades dos elétrons e átomos para processar informação em nível molecular. Aqui, o conceito de informação é transformado, e as regras de processamento são diferentes.

Entusiastas da computação quântica prevêem um salto no poder de processamento se uma tecnologia puder ser trabalhada Talvez isso crie condições para a criação da vida em laboratório.

O que nos deixa com uma questão curiosa. Como a natureza fabricou o primeiro processador de informação digital do mundo - a primeira célula viva - do caos cego das moléculas desorganizadas? Como o hardware molecular escreve seu próprio software?

A resposta deve esperar até que nós entendamos a natureza da informação e os princípios que governam sua dinâmica. (O Estado de SP, 15/12)

Fonte: Jornal da Ciência

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